Até aqui se escreve da gripe A


Este fim-de-semana dois padres escreveram, em dois jornais, sobre o vírus H1N1. O P. Anselmo Borges no Diário de Notícias de sábado e o P. Gonçalo Portocarrero de Almada no Público de ontem. Dois padres com ideias diferentes. Este último, muito sarcástico, ataca não só o vírus (chama-o de Anti-Cristo, imaginem!) mas também aqueles que promovem comportamentos de prevenção nas celebrações religiosas. O P. Anselmo, mais reflectido e até pedagógico aproveitou o tema da gripe para abordar o porquê dos ritos em causa, em especial o da comunhão na mão. Identifico-me mais com este. O P. Gonçalo queria que se tomassem todas as medidas de prevenção, mas fora da Igreja. Não se toquem nos ritos senão fica tudo vazio! E vemos que alguns ritos, nas nossas celebrações caíram num banalismo tal que o rito da paz, com muita frequência entra numa balbúrdia que perturba a comunhão (reparemos que, desde o ofertório o povo está de pé, pode ajoelhar na consagração, está concentrado e depois vem o 'saudai-vos na paz de Cristo' e vê-se de tudo). Sabemos que as mãos são um forte veículo de transmissão de bactérias e de vírus; lavamo-las antes das refeições e por aí fora, e nunca estão limpas... Quando chegámos à igreja, foi com as mãos que fomos à pia da água benta, onde outros passaram e também molharam os seus dedos... foi com as mãos pegámos na nossa moedinha ou na nota para o ofertório; durante a missa, se calhar, sem nos darmos conta, já as pusemos no banco da frente, se calhar coçámos o nariz ou a cabeça ou até nos assoámos e depois vamos estendê-la a quem está ao nosso lado para darmos a paz... O que é que me faz estar em paz com Cristo e com a Comunidade? É o aperto de mão ou o beijinho? Poderão dizer-me: então, se é assim, tudo é vago e acabemos com os ritos. Não! Eles são importantes. Mas têm que ser dignos. E se em caso de alerta os tivermos que suspender podemos fazer uma boa catequese para depois, quando os usarmos, virem cheios de sentido e os podermos fazer com mais dignidade e consciência.

Mas o P. Anselmo fala de um outro gesto que é até mais uma atitude: a comunhão na mão. E esta história da gripe H1N1 pode ajudar os cristãos a valorizar mais este gesto. A 'ala da direita' da Igreja Católica gosta de dar a comunhão na boca. O P. Gonçalo e todos os que distribuímos a comunhão damo-nos conta de que nem uma nem duas nem três vezes ficamos com os dedos molhados da saliva dos fiéis e que de uns passam para os outros... Mas não quero explorar este detalhe. Quero sim citar o que o P. Anselmo diz sobre a dignidade da comunhão na mão: "Cristo, na primeira Eucaristia, na Última Ceia - celebração da Palavra e do Pão -, tomou o pão e partiu-o, dizendo: "Tomai todos e comei, isto é o meu corpo, a minha vida, entregue por vós." E neste sinal os discípulos souberam que Deus é amor. Como ainda hoje, nalgumas casas, o pai ou a mãe partem o pão, distribuindo-o por todos, comendo cada um com a sua própria mão: é a partilha da vida."

A Gripe A está a fazer um grande mal, físico e afectivo, à nossa sociedade. De um modo indirecto. Ao contrário do P. Gonçalo, que acha que este vírus tem uma capa de anti-clericalismo e é demoníaco, eu temo mais pelo mal que nos vai causar em relação ao isolamento, à indiferença e à desconfiança em relação ao outro. Apesar da água estagnada das pias das nossas igrejas estar benzida não deixa de poder contagiar.

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