Quatro apontamentos


1. Ler e escrever. As letras são a minha gruta, as palavras a minha cama, os livros o meu céu. É onde me sinto bem. No entanto, apercebo-me que o mundo das letras, lidas ou escritas, são um misto de mostra e esconde. Se leio descubro, se escrevo descubro-me. Mas ainda assim gosto de ler e gosto de escrever, preferindo mais, isso sim, descobrir do que ser descoberto. Dou-me conta porque ando a ler coisas pequenas (Diários de Saramago e de Torga) e ontem, por causa de uma inesperada insónia, dei comigo diante da estante dos livros por ler, para ver se algum me embalava. Acabei por escolher um que lá estava, esquecido, nem sabia que o tinha nem quando o comprei. Manual de Epitecto. Um pequeno livro de 136 páginas (praticamente só escritas de um lado, que reduz logo quase para metade), em que se reuniram "Máximas, diatribes e aforismos". Pensei que ao fim dos primeiros pensamentos que adormecia, mas qual quê... foi o livro lido, todo de enfiada. Máximas interessantes, para mim pouco mais do que isso. Vou valer-me de uma para começar o ponto dois.

2. Tradução. Diz assim este Manual no seu número 29, 1: "Face a qualquer acção, pondera os antecedentes e as consequências, e só depois, mas só depois!, começa a executá-la. Caso não procedas assim, grande será o teu ânimo no começo, dado que não cuidaste das dificuldades que a seguir se apresentam. Tempo depois, quando essas dificuldades, uma a uma, se apresentarem, abandonarás a tua tarefa de maneira vergonhosa". Acabo de traduzir (não se leve muito a sério esta palavra), um livro francês sobre o essencial da fé. Vi-o na biblioteca do Mosteiro das Irmãs Dominicanas, pedi-o emprestado e, quando comecei a lê-lo, pensei que o poderia colocar num dos blogues e no site da igreja do Convento. Comecei de vento em popa mas, a verdade, é que a meio estava já a desesperar. Ontem, ao ler este parágrafo dei-me conta da sua verdade. Desde sempre assim foi, mas nem sempre tomamos consciência das implicações daquilo a que nos propomos. A minha teimosia foi mais forte e o livro está traduzido e, aos poucos, disponível. A tradução não é a melhor - não sou tradutor - mas fez-me bem porque aprendi mais sobre a fé e a tradução do francês ajudou-me para daqui a uns tempos exercitá-lo.

3. Hoje é dia de Santa Ana e São Joaquim, pais de Nossa Senhora e, naturalmente, avós do Menino Jesus. A Igreja, há já uns anos, tem vindo a celebrar neste dia, o dia dos avós. Faz falta a Pastoral dos avós. Creio que ainda falta um grande percurso de os valorizar quer no âmbito social quer no âmbito espiritual. Hoje em dia os avós são quem mais despertam e acompanham a dimensão espiritual dos netos. Reconheço isso porque muitas crianças dos colégios me dizem: vou à missa com a minha avó, mas também porque eu próprio beneficiei do exemplo da minha avó. Não fosse ela e, certamente, hoje não era padre. A ela devo a educação - enquanto os meus pais trabalhavam eu ficava com ela -, e a ela devo o encaminhamento na Igreja. Por isso, aqui quero prestar uma homenagem aos avós e pedir-lhes que não deleguem para os pais esta dimensão tão importante, como é a da nossa relação com Deus e com a Igreja. Os pais, já sabemos, andam ocupados com mil e uma coisas. Os avós são mais pacientes e tratam os netos como não trataram os filhos. Vejo pela minha mãe que já é avó: o que ela não me deixava fazer (como por exemplo, pintar o vidro do guarda-fatos com lápis de cera ou a parede branca do meu quarto), agora é normal que a neta o faça: "Coitadinha da menina, disse-me ela, fez um desenho tão bonito!" Aos meus avós, de quem só tenho gratas recordações, aqui fica a minha gratidão e as minhas orações.

4. Porque creio não voltar a falar do Manual de Epitecto, deixo aqui um pensamento, para mim o mais inteligente: "O que perturba os homens não são as coisas, mas os juízos que os homens formulam sobre as coisas".
(imagem: A família de Nossa Senhora, Pietro Perugino, 1501)

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