De humilitate



Encontro-me com o Evangelho do próximo domingo e confrontamo-nos: "Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar" e ainda "Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado". A tentação é olhar à minha volta para não olhar para mim. E já isto é falta de humildade. Mas olhemos para o mundo. Podemos servir-nos das fantásticas revistas cor-de-rosa que, no verão, estão cheias de festas e conversas. E vemos como gira o mundo: faz-se uma festa em honra de fulano, fotografam-se todos os convidados, dois a dois, para que não fique ninguém escondido, e não estranhamos ausências porque as estrelas brilham. Se Jesus fosse a uma festa destas certamente que teria atitudes 'socialmente incorrectas'.
Assim anda o mundo, assim ando eu e, talvez comigo, muitos outros que gostariam de ser mais humildes.
Mas o que será a humildade? Uma definição? Um estilo de vida? Uma utopia? Creio que é tudo isto e mais alguma coisa. Deixo aqui um conjunto de textos que, ao longo da história da Igreja, foram dando contornos a esta virtude. Antes, porém, dizer que a palavra vem de húmus, solo, pouco elevado... Não sendo uma atitude exclusivamente cristã - ainda bem que a encontramos fora dos muros do cristianismo - os cristãos têm o grande trabalho de, também neste caminho, seguir a Jesus, manso e humilde de coração. Aqui fica, então, uma pequena selecção de textos:
1. São Paulo (séc. I): "Tende todos o mesmo pensar, a mesma caridade, uma só alma, um mesmo sentimento; nada façais por rivalidade ou vanglória, mas cada um, por humildade, considere os outros superiores a si, não atendendo aos seus próprios interesses, mas aos dos outros. Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo, o qual, sendo de condição divina, não reivindicou o direito de ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e tido pelo aspecto como homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz!"
2. São Bento (séc. VI): "Se queremos atingir o cume da suprema humildade e chegar rapidamente àquela celeste altura à qual se sobre pela humildade da vida presente, necessário se torna, pela ascensão das nossas obras, erguer aquela escada que em sonhos apareceu a Jacob, pela qual se viam anjos a descer e a subir. Sem dúvida que outra coisa não significa para nós aquele descer e subir, senão que pela soberba descemos e pela humildade subimos". São Bento fala depois dos doze degraus da humildade e termina dizendo: "Ora, uma vez subidos todos estes degraus da humildade, depressa atingirá o monge aquele amor de Deus que, sendo perfeito, expulsa o temor".
3. Isaac e Nínive (séc. VII): "Não há ninguém que tenha discernimento e que não seja também humilde; e ninguém que seja humilde se não tiver discernimento. Não há ninguém que seja humilde se não é também pacífico, nem ninguém que seja pacífico se não é humilde. Não há ninguém que seja pacífico, se não é também alegre. Existe uma humildade que vem do temor de Deus, e uma que vem do amor de Deus. Há quem se tenha tornado humilde pelo temor de Deus, e há quem se tenha tornado humilde pelo amor de Deus. Ao primeiro, acompanha-o a compostura dos membros, a ordem dos sentidos e um coração sempre contrito; ao outro, porém, uma grande simplicidade e um coração que floresce e que não se pode conter".
4. São Francisco de Assis (séc. XIII): "Salve, rainha sabedoria, o Senhor te guarde por tua irmã, a pura simplicidade! Senhora santa pobreza, o Senhor te guarde por tua irmã, a humildade! Senhora santa caridade, o Senhor te guarde por tua santa irmã, a obediência! Santíssimas virtudes todas, guarde-vos o Senhor, de quem procedeis e vindes a nós".
5. São Tomás de Aquino (séc. XIII): "Deve dizer-se que como diz Isidoro, «humilde equivale a próximo, ao húmus», ou seja, preso ao que é mais baixo. Isso acontece de dois modos. Em primeiro lugar, por um princípio extrínseco, quando, por exemplo, alguém é rebaixado por outrem, e então a humildade tem carácter de castigo. - Em segundo lugar, por um princípio intrínseco. E isso pode ocorrer, às vezes, em bom sentido, quando, por exemplo, alguém, à vista dos próprios defeitos, se considera pequeno, como Abraão, ao confessar a Deus: «vou ousar falar ao meu Senhor, eu que não passo de pó e cinza». E, nesse caso, a humildade é uma virtude. Mas, outras vezes, pode ser em mau sentido, quando, por exemplo, «o homem não entende a sua dignidade e compara-se aos animais insensatos e assemelha-se a eles»".
6. Santa Catarina de Sena (séc. XIV): "Qual árvore de muitos galhos, a caridade possui numerosos filhos. Como as árvores recebem a vida de suas raízes enterradas no solo, assim a caridade se nutre da humildade, e o discernimento é um dos filhos ou rebentos da caridade (...) Homem sem humildade é homem sem discernimento. O seu agir baseia-se no orgulho, da mesma forma que o discernimento vem da humildade (...) Quem tem discernimento, seja qual for o seu estado de vida - patrão, prelado ou súbdito - trata sempre o próximo com amor. Caridade e discernimento estão intimamente ligados; ambos se enraízam no solo da verdadeira humildade, que é o fruto do auto-conhecimento".
7. Santa Teresa de Jesus: "Uma vez estava eu considerando porque razão era Nosso Senhor amigo desta virtude da humildade, e logo se me pôs diante - a meu parecer sem eu considerar nisso, mas de repente - isto: é porque Deus é a suma Verdade, e a humildade, é andar na verdade. E é muito grande verdade não termos coisa boa de nós mesmos, senão a miséria e sermos nada; e, quem isto não entende, anda em mentira".
8. Santa Teresinha do Menino Jesus (séc. XIX): "Senhor, conheceis a minha fraqueza; todas as manhãs tomo a resolução de praticar a humildade e à noite reconheço que cometi ainda muitas faltas de orgulho; ao ver isto sou tentada a desanimar mas sei que o desalento é também orgulho, quero pois, ó meu Deus, fundar a minha esperança só em vós; já que tudo podeis, dignai-vos fazer nascer na minha alma a virtude que desejo. para alcançar esta graça da vossa infinita misericórdia repetirei muitas vezes: «Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso!»".
9. Beato Charles de Foucauld (séc. XX): "Procurai progredir diariamente em amor, em virtude; se te detens, andas para trás... trabalha, pois, constantemente, e examina-te com frequência para saberes a quantas andas: a maneira de saberes se cresces, se progrides no amor divino e em todas as virtudes, é verificares em que medida estás a crescer em humildade e em amor ao próximo... Se cresces nestas duas coisas, isso é prova certa de que cresces em perfeição total...".
10. São frei Maria Rafael (séc. XX): "Vou observando que a virtude mais prática para ter paz, na vida de comunidade, é a humildade. (...) A humildade enche de paz o nosso trato com os homens; com ela não há discussão, não há inveja, não há ofensa possível...".
(A Virgem da humildade, Fra Angelico)

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