Um mosteiro de clausura



Aqui o dia começa com o tocar do sino, às 6.30h e termina com o mesmo toque às 22h. Estes sinais, dados a partir do sino do claustro, indicam que começa o silêncio nocturno. Este mosteiro, situado na colina dos Remédios, tem actualmente 8 monjas, uma delas acamada, com quase sem anos. Uma comunidade envelhecida, para quê esconder, mas que tenta manter todas as regras e tradições da espiritualidade dominicana. O dia é pautado pela oração. Quando o sino toca manhã cedo, mesmo antes dos sinos dos remédios tocarem a Trindades, estas irmãs começam o seu dia. É tempo de ir cantar a Deus os louvores matutinos. Tudo cantado. Às sete horas já estão elas na capela para rezar Laudes, depois a hora de meditação que termina com a Hora de Tércia. Entretanto começa a Missa, todos os dias à mesma hora, aos domingos com mais assembleia, e assim entregam a Deus as primeiras horas do seu dia. Só depois das acções de graças da Missa é que vão para o refeitório para o pequeno-almoço, frugal e rápido. Vem depois o trabalho. Cada uma no seu ofício, desde a cozinha à lavandaria ou da limpeza da casa ao fabrico das hóstias, cada uma vai cumprindo, conforme as suas possibilidades, o seu dever de trabalhar. De vez em quando tocam à porta. Entregas, correspondência, benfeitores… e lá está a roda, objecto característico dos mosteiros para dar e receber. Antes do almoço, novo encontro na capela para as orações do meio-dia: Terço e Hora Sexta. Findas as orações da capela, dão a volta ao claustro em fila por ordem de profissão, até chegarem à porta do refeitório, onde rezam o salmo 129 – o De Profundis – pelos Irmãos e Irmãs que estão já junto de Deus. O almoço é em silêncio. Porque nem só de pão vive o homem, lê-se durante a refeição algum texto espiritual, alguma parte da Regra, para que também esses textos alimentem e reforcem a vida cristã.

Vem depois o recreio. Obrigatório. Todas as Irmãs se reúnem na sala comum para saberem de notícias, para falarem e distraírem-se com algum trabalho manual.

Volta o sino a tocar para um novo encontro na capela. Outro Terço e Hora de Noa e tempo de meditação comunitária. Volta-se depois para os trabalhos. Os mesmos ou outros que sejam necessários fazer. O lanche é informal.

Já no fim do dia, quando o sol começa a deixar no céu as marcas do entardecer, quando o mundo começa outro ritmo – o de ir para casa depois de um dia de trabalho – volta o sino a tocar para a Oração de Vésperas. Como em todos os ofícios, há regras, maneiras de estar, um lado do coro começa, o outro responde; no final de cada salmo, todas, de pé, se inclinam profundamente ao Glória, em honra da Santíssima Trindade.

Mais um tempo de silêncio e outro Terço, para que, cada dia, em Comunidade, se reze o Rosário, oração tão querida e tão própria da Ordem Dominicana.

Vem depois o jantar, em tudo igual ao almoço mas mais rápido. Depois de outro tempo de recreio, toca o sino novamente, para um último momento de oração: Ofício de Leituras e Completas. Esta última oração – as Completas – são comovedoras. Se por um lado lembram a noite, o cansaço e o nosso pecado, nesta oração da noite pede-se perdão ao Senhor e aos Irmãos pelas faltas cometidas ao longo do dia. Aqui mantém-se um ritual das origens da Ordem que é a procissão com o canto da Salve e do O Lumen. A Salve é a Salve Rainha, cantada em latim, num tom próprio dos dominicanos. Enquanto se canta a priora asperge cada irmã, com água benta, gesto secular que se repete desde que um frade viu, durante este cântico, Nossa Senhora que aspergia cada frade com água benta. E depois o O Lumen, um cântico, também em latim, dedicado a São Domingos, Pregador da Graça.

Saem depois as Irmãs, em fila, cada uma para a sua cela. A priora volta a aspergir cada cela e cada irmã. No final, toca uma última vez o sino. Para dizer que o descanso chegou e, com ele, o silêncio.

E eu, que estou cá com elas? Faço tudo igual? Não. A sensação é a de que estamos sempre do outro lado, para cá das grades. Em todos os lugares comuns há grades. Creio que a única explicação que actualmente pode haver é a do sinal exterior de separação com o mundo. Não são presidiárias nem existem as grades para as defender ou que seja. Simplesmente para se perceber que das grades para lá tenta-se viver de uma maneira diferente. Por isso, eu, do lado de cá, rezo com elas as horas principais. As refeições tomo-as sozinho – é o que mais me custa, habituado eu a almoçar e jantar sempre com companhia. Encontro-me com as Irmãs, falo com a priora e com mais quem queira falar comigo.
Não é uma vida estranha. É uma vida diferente.
Uma coisa é certa: aqui o barulho é desnecessário, incomoda. Aqui o silêncio é bom, puro, como o ar que aqui se respira.

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