O luto

A palavra luto tem-me sido próxima nestes últimos dias. A propósito deste meu confrade que morreu, uma amiga dele, minha conhecida, diz que ainda não fez o luto; numa comunidade de dominicanas que hoje visitei, uma irmã dizia-me que ainda não tinha feito o luto mas que uma amiga do fr. José Augusto estava a fazê-lo.
Eu não sei se o fiz ou ainda não porque não sei o que é fazer o luto. Ao longo da minha curta vida tive duas grandes perdas: a da minha avó materna e a do meu pai. Desde que estou no convento três perdas, as duas últimas foram choradas, uma porque imprevista e a outra porque teve um fim rápido e talvez doloroso para todos.
Mas insisto. Não sei o que é fazer o luto. Se se entende fazer o luto como as reacções diante da morte, a minha é de lágrimas; a verdade é que choro ao ver chorar.
Mas hoje voltei a encontrar aquela rapariga (mulher) de quem falei num dos últimos posts (no mínimo comovente). E sem vergonha aproximou-se e deu-me dois beijinhos porque me reconheceu; para ela sou o padre do hospital de Santa Maria, amiga do sr. Padre Mourão (é mesmo assim que ela diz). Não sabe o meu nome; sabe que sou amigo do amigo dela, o senhor padre do hospital de Santa Maria. Colocou o seu braço à volta do meu pescoço. Parecíamos amigos de longa data com tanto à vontade. Mas, curiosamente, não me perguntou pelo fr. Mourão mas pelo quarto dele. O que é que eu lhe tinha feito. Lá lhe expliquei que o quarto foi limpo e que agora está lá outro doente. Insistiu: se a cama dele estava lá. Disse-lhe que sim mas que agora era de outro doente. Desviei a conversa e perguntei-lhe pelos livros da Anita (numa das nossas últimas conversas ela estava toda contente porque depois do hospital ia à feira do livro comprar três livros da Anita que lhe faltavam e dois cadernos de linhas). Respondeu que sim, mas voltou ao mesmo: se a cama do senhor padre Mourão estava feitinha. Disse-lhe que sim, mas que agora era de outro doente. E ela respondeu: acho bem.
Levantei-me para me ir embora e, ao despedir-se, com dois beijos, disse-me: o senhor padre Mourão está com Jesus. Rezo muito a Jesus por ele.
Aqui está. Finalmente alguém já fez o luto.

(aguarela de Herbert Falken GitterKopf, Ansiando por Deus, 1993)

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