Vidas paralelas IV

Conclui-se este ciclo de artigos sobre as vidas paralelas, para dizer o que foram estes dias para elas e o que foram para mim. As Constituições das Monjas dizem que elas fazer um retiro anual de oito dias completos. Pode-se perguntar para que é que estas mulheres que vivem em silêncio e contemplação precisam ainda de um retiro e de oito dias, se a vida delas já é um retiro... Creio que o fazem por outros motivos que a obrigação das Constituições, se bem que estas irmãs são fiéis cumpridoras das leis. Faz sentido que, no ano, haja uma quebra na rotina. Abrandam o trabalho, as visitas são mais curtas e reduzidas, tendo mais tempo para a oração e meditação a partir dos temas que o pregador traz, quer lhe seja encomendado um tema quer seja livremente escolhido pelo próprio, que é o que costuma acontecer. Normalmente, nos retiros que oriento - e este é o segundo de oito dias a esta comunidade - costumo ter duas partes distintas: uma mais bíblica, que costuma ser na parte da manhã, e outra mais espiritual ou que tenha implicações comunitárias, na parte da tarde. Gosto também de dar uma certa continuidade temática, embora seja difícil em 16 pregações falar do mesmo tema sem se repetir. Por isso separo entre as manhãs e as tardes. Este retiro partiu de uma expressão, que não sei de quem é e que tenho usado frequentemente, e que tem dado o tom a este retiro: "Deus não nos criou a partir da pedra mas sim a partir do barro". Ou seja, perceber que Deus vai-nos moldando com as mãos, com as suas mãos, diretamente no barro, e não com o martelo e o cinzel, para partir pedra. E a partir desta ideia desenvolvi o conteúdo do retiro, que deu 80 páginas. Claro que não são só ideias originais. Ao longo do texto vai-se citando a bíblia e autores espirituais, antigos ou contemporâneos, conforme as leituras que se vão fazendo. Neste retiro usei varias citações de São Maria Rafael, monge trapista espanhol, do século passado, e que é apreciado nesta comunidade, bem como noutras contemplativas. Portanto, para elas, estes dias são de escuta, oração, silêncio e trabalho indispensável. Eu, como não gosto de falar de cor, trouxe o retiro pronto. Fi-lo durante os meses de Agosto e Setembro. Por isso pude trazer trabalho e leituras. De trabalho trouxe umas músicas para adaptar e um texto para rever a tradução a partir do latim (estes textos passam sempre por três crivos: o primeiro é o da tradução, a partir de uma língua acessível, o segundo comparação do texto com original latino e o terceiro revisão da tradução com as correções e afinações que ainda sejam necessárias fazer). De leituras trouxe alguns livros e ainda comprei aqui um. Trago sempre vários para não ficar limitado a um ou dois. Li dois pequenos livros: a vida de São Domingos, recentemente traduzido em português e que vale a pena ler, e o tesouro escondido, de Tolentino Mendonça. Ficaram por ler um de Enzo Bianchi e um de Saramago (estranhamente nem sequer lhe peguei). Entretanto comprei o recentissimo livro de Tolentino Mendonça, o pai-nosso que estás na terra, que comecei ontem a ler. E até aqui há vidas paralelas: elas ouvem e eu leio... Para elas e para mim.

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