Sexta-feira Santa - A Parasceve

"Hão-de olhar para aquele que trespassaram" (Jo 19, 37).
1. Hoje é dia de Sexta-feira Santa. Para os cristãos, um dia memorável. Não estamos tristes. Se hoje estamos mais calados ou menos sorridentes, é porque o que aconteceu naquela sexta-feira foi para nós importante, objeto de constante meditação. É dia de sobriedade. A própria liturgia convida ao despojamento através das suas músicas e dos seus rituais. Hoje não se celebra a Eucaristia. A razão é simples: se a Eucaristia é o memorial da morte de Jesus, o dia de hoje é, por ele próprio, sacramento da morte de Jesus. Mas a Igreja reúne-se numa celebração litúrgica. Reúne-se para escutar os mais belos textos da Paixão (Isaías, Carta aos Hebreus e Paixão de São João);  reúne-se para rezar por todas as grandes preocupações da Igreja, desde o Papa até aos não crentes: é a mais longa oração universal do ano litúrgico; reúne-se para adorar "o madeiro da Cruz, no qual esteve suspenso o salvador do mundo". Não com lágrimas nos olhos mas na ação de graças de quem sente que a Cruz é sinal de salvação. Ao beijarmos a Cruz, agradecemos a Deus o grande dom do seu Amor, um amor até ao extremo. Ao beijarmos a Cruz aceitamos a nossa própria cruz, sentindo em cada dia, o alívio de quem tem Cristo como o seu Cireneu. Ao beijarmos a Cruz tornamo-nos solidários de todos os que são esmagados pela sua cruz: os que não têm forças para a carregar, os que não têm esperança para além dos cravos, os que não compreendem e não aceitam a cruz da vida; reúne-se para comungar o corpo de Cristo, não o corpo morto - esse não dá vida - mas o corpo glorioso. Hoje a Comunhão realiza em plenitude aquilo que significa: comum-união com Deus e comum-união com os que hoje sofrem os tormentos dos seus desgostos, da sua doença ou das preocupações.
2. Todos os anos, por altura da Páscoa, vêm a lume notícias fantásticas sobre a Páscoa de Jesus. A deste ano é a da grande descoberta de um "grande" investigador, que vem revelar que afinal a Ultima Ceia não foi na quinta-feira santa mas um dia antes, na quarta. Para mim não é duplamente novidade. Em primeiro lugar porque não foi este investigador quem veio revelar. Como é fácil de pensar, esta é questão antiga, a começar logo pelos dias da semana que não tinham o mesmo dia da semana nem se contavam como hoje se contam. Em segundo lugar porque, nunca os evangelhos quiseram ser históricos na vida de Jesus. Não aparece o dia do mês da morte de Jesus. Sabemos, pelo evangelho de João que Jesus foi crucificado no dia em que se imolava o cordeiro pascal, o dia da Preparação -  a Parasceve. Não diz a data do dia da Ressurreição porque mais importante é o dia da semana: o primeiro, o equivalente ao nosso domingo. Por isso, não deve ser relevante para nós a história de Jesus mas sim a teologia de Jesus, a interpretação dos factos mais do que a cronologia. Para nós é muito importante saber que Jesus morreu no primeiro dia da semana, o Domingo, que esteve um dia morto, o sétimo dia, o dia do descanso judaico, que morreu na Parasceve, o dia em que se matavam os cordeiros da Páscoa, porque Jesus é o nosso Cordeiro Pascal e que, antes de todo o processo da morte, numa refeição ritual, na véspera da sua morte, deixou-se ficar nos sinais do pão e do vinho que, sempre que o fazemos em sua memória são para nós o seu Corpo e o seu Sangue. Fraco investigador em coisas de cristianismo que quer dissecar os evangelhos sem ter em conta a intenção dos seus autores!
3. Mais pertinente foram as devoções que se criaram à volta da Paixão de Jesus e que hoje se vão ainda celebrando, com mais ou menos piedade: a Via-Sacra, as Sete Palavras de Cristo na Cruz e ainda, embora quase em desuso, o Relógio da Paixão. Pode ser excessiva devoção, mas acho que, ainda assim, é mais inocente e mais benéfico que o mau gosto de vir com notícias fantásticas para atormentar as festas cristãs.
Sexta-feira da Paixão. Sobre este dia escreveu assim São João Crisóstomo: "Queres aprender outra coisa importante? O paraíso, fechado durante milhares de anos, foi-nos hoje aberto. Neste dia, a esta mesma hora, Deus fez entrar nele o ladrão. Hoje, antes de nós irmos para a pátria celeste, abriu as suas portas à natureza humana, porque disse: Hoje estarás comigo no Paraíso".
Que dizes? Estás crucificado, com cravos, e prometes o Paraíso? Sim, para que também aprendas o meu poder na cruz. Não entenderias o mistério da cruz se não aprendesses o poder do crucificado; faz na cruz este milagre que mostra o seu máximo poder. Não quando ressuscitou um morto, nem quando ordenou aos ventos e ao mar que se acalmassem, nem quando expulsou o demónio, mas quando estava cravado na cruz, injuriado, vexado e insultado, mas quando converteu a alma do ladrão, mais dura que uma pedra. E honrou-o dizendo: Hoje estarás comigo no Paraíso.
Os querubins guardavam a entrada do Paraíso, mas Jesus é o Senhor dos querubins
".

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