A simplicidade dos ritos

O Evangelho da Missa de hoje é uma beleza singular. Vale a pena lê-lo devagar, uma primeira vez como quem lê um episódio de um livro narrativo ou uma peça de teatro e saborear cada gesto, cada palavra, cada explicação. E depois, sim, reler, como Palavra de Deus que ilumina a nossa vida.
A passagem é conhecida: Evangelho de São Lucas, capítulo 7, versículos 36 até ao 50, o episódio da mulher pecadora aos pés de Jesus. O P. Tolentino Mendonça será a pessoa em Portugal que mais sabe sobre esta passagem: a sua tese de doutoramento está relacionada com este episódio.
Pessoalmente gosto muito dela pelas atitudes desta mulher anónima, que é conhecida por ser pecadora e que, com muita humildade e discrição, sem aviso nem autorização, aproxima-se de Jesus, ajoelha-se aos seus pés, lava-os com as suas lágrimas, enxuga-os com os seus cabelos, beija-os e derrama sobre eles um perfume caro.
Ela não explica a ninguém, nem ao próprio Jesus, porque é que faz isso e com que intenção. Os ritos fazem-se em silêncio, sem exuberância, e não se explicam. É Jesus quem vai decifrar todos os gestos resumindo-os numa palavra: amor (São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou, é a resposta de Jesus).
Assim acontece na liturgia, ou pelo menos devia acontecer. As nossas celebrações, de por si rituais, às vezes são exageradas com os ritos que queremos acrescentar, monições que queremos fazer, numa tentativa catequética, porque as pessoas não percebem ou, pior ainda, para enriquecer uma celebração. Em liturgia aprendemos que o rito se explica a ele próprio e, na nossa tradição latina, quase sempre vem acompanhado com uma oração que o explica. Digo, assim deveria ser na nossa liturgia: ver o rito, saboreá-lo, escutar o que ele nos diz, não por palavras mas pelo silêncio, como os desta mulher. Porque é Cristo quem os explica e lhes dá sentido.
Nós, de rito latino, deveríamos aprender a arte do silêncio e a simplicidade do gesto litúrgico. Muitas vezes a austeridade e a simplicidade são o trono necessário para expor o rito.
Confesso que me cansam celebrações muito carregadas de gestos e monições. A explicação excessiva do que se celebra, faz de quem está a participar analfabetos, não-educados para o rito humilde e generoso que sai da ação litúrgica.
(Imagem: Cristo em casa de Simão, Moretto da Brescia, séc. XVI)

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