Aonde os caminhos nos levam

Já em Lisboa, a curar-me de duas grandes bolhas que me acompanharam ao longo dos meus cinco dias de caminhada a pé para Fátima. Teria sido mais interessante fazer uma pequena crónica em cada dia. Mas, ainda assim, deixo aqui algumas notas sobre estes dias a pé.
 
1. No primeiro dia fiz 27 km. Lisboa-Vila Franca de Xira. De mala às costas, comecei na estação do Oriente, percorrendo o primeiro dia, as indicações do "Caminho do Tejo". Ir acompanhando o Tejo, na medida do possível, dá-nos a frescura e tranquilidade próprias de uma manhã. À minha frente um frade franciscano conventual, anónimo como eu, lá vai também trilhando o mesmo caminho. O Tejo, o trilho do rio Trancão são ambientes para rezar Laudes e o Rosário. No fim da caminhada tempo para descansar as pernas e ver as amigas bolhas. No final da tarde, Vésperas, em união com a Igreja.
 
 

No dia seguinte, segundo troço: Vila Franca de Xira-Cartaxo. São 32 km. Os pés doem, as bolhas fazem-se notar, mesmo com os pensos comprados na farmácia. No Carregado, indo eu carregado, peço a um carro de apoio a outros peregrinos que me levem a mochila até à Azambuja. Solidários, lá me levam a mala. Atalha-se por um caminho mais calmo, até Vila Nova da Rainha, com oliveiras e campos de cevada. Mais uma parte do caminho, agora numa estrada mais movimentada. As bermas não são largas e muitas vezes em terra batida ou terreno desnivelado, o que não ajuda nada a quem lhe dói os pés. Opção: ir à beirinha da estrada, atento aos camiões e carros. Na Azambuja paragem obrigatória para ir à farmácia queixar-me das bolhas e esperar pela mochila. Encontro um grupo que me conhece. Peço-lhes que me levem a mochila até ao Cartaxo, pois eles ficam também lá. Convidam-me a seguir caminho com eles mas declinei o convite: o propósito era ir fora de um grupo. Continuo a caminhada até ao Cartaxo, que parece uma eternidade. Sem dúvida a etapa mais longa e cansativa.
 
 
Terceiro dia: Cartaxo-Póvoa de Santarém. São 23 km. A noite foi recuperadora. Nos primeiros quilómetros os pés quase não me doem. Saída de manhã cedo, começo a passo largo que, à chegada de Santarém, vai mais vagaroso. Chegada ao destino pelas 14h. Almoço e descanso toda a tarde. As malas, nestes dias, ficam entregues a uma amiga que vai fazer este especial favor até Fátima.
 



 
Quarto dia: Póvoa de Santarém-Alcanena. 22 Km. O dia é muito semelhante ao anterior. Encontro mais peregrinos a pé. E vou andando a passo largo, enquanto os pés não se queixam. Passo em Pernes e subo para depois descer para Alcanena. Esta última parte parece uma eternidade. Mal chegados à Vila, paragem para almoçar e tarde de descanso. No final do dia Missa na paróquia. O padre distrai-se com o Ano da fé e com os cinquenta anos do Concílio. Missa de 50 minutos... Jantar e descanso.
 
 
Último dia: Alcanena-Fátima. São 22 Km. Quando saio já há vários grupos a caminho. Bonita sensação de encontro e caminhada para um lugar comum. Apetece-me cantar o Salmo 121: Iremos com alegria para a casa do Senhor. As bolhas, quase miraculosamente, deixam de se fazer sentir tão fortemente, o que faz com que consiga fazer todo o caminho durante a manhã. À medida que ultrapassamos os grupos, vamos dizendo bom dia, está quase, boa chegada. Ao meio dia entro em Fátima. De Fátima ao Santuário ainda dois km. A chegada, mesmo não sendo chorada é emocionante. Missão cumprida. Já nada dói. Rezar por aqueles que trazemos nas nossas intenções e dar graças a Deus. Almoço, descanso e integração nas cerimónias do Santuário.
 
 
2. Seria injusto não falar aqui dos "Anjos da Guarda". Aqueles que nos dão uma palavra de alento, que levam as mochilas, que nos perguntam se queremos água, os que nos seus carros nos apitam e levantam o braço, os que vão ao nosso lado a cantar e a rezar para que não pensemos nas penas do caminho mas sim nas alegrias da vida.
 
3. Os peregrinos a pé. Deve haver um grande respeito pelos que vão a pé a Fátima. "Nossa Senhora não quer isso". É verdade. Mas não se faz porque Nossa Senhora quer mas porque eu quero. "Nossa Senhora não conta os passos", disse-me uma senhora que apoiava um grupo de peregrinos. Um grande silêncio, um grande respeito por quem vai a pé a Fátima. Não criticar e não julgar. Tenho pena que o Santuário de Fátima não acolha melhor quem vem a pé e não lhes dê o destaque que mereceriam. O acolhimento resume-se ao Santuário. Podia-se fazer tanto bem entre Minde e Fátima a quem vai mais desanimado...
 
4. Ontem regressei de carro. Os que fomos a pé resolvemos fazer o mesmo caminho. Se for a pé e regressar de carro faça o mesmo. E, se encontrar peregrinos a pé, apite-lhes e faça-lhes um gesto de comunhão e união.
 

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