O trabalho humano: escravidão ou vocação?

Hoje é dia feriado em muitos países do nosso mundo. A Igreja, como noutros dias do ano, aproveita estas celebrações civis para se associar com uma festa religiosa. Hoje, na Igreja, celebramos a memória de São José, operário.
Muitas pessoas, que conhecem menos bem a Bíblia, dizem que o trabalho foi um castigo de Deus por o homem ter desobedecido às suas ordens. Esquecem-se, no entanto, que Deus, quando decide criar o homem, à sua imagem e semelhança, fá-lo para que ele domine a terra, ou seja, continue a obra criadora de Deus. O trabalho, na Bíblia, aparece como uma dignidade concedida ao ser humano de poder submeter a si toda a criação.
Outra coisa é o "castigo" que Deus dá ao homem por ter desobedecido às suas ordens. Também aí é claro que o que Deus diz é que, a transgressão leva a que o homem tenha que de suar para conseguir dominar a terra e dela tirar os frutos para se alimentar. Porquê? Porque a natureza deixou de lhe obedecer (Porque pecaste... a terra produzirá espinhos e abrolhos) e vai-lhe ser muito mais penoso voltar a dominá-la. Ainda assim, toda esta concepção de homem, transgressão e castigo, só pode ser vista no contexto dos mitos de origem, ou seja, respostas mitológicas às questões reais e existenciais dos seres humanos sobre a origem das coisas.
O que é certo é que multiplicaram-se os trabalhos e, com eles, as rivalidades, competições, diferenças entre profissões mais e menos nobres. Olhando para as nossas sociedades, reparamos que só os que ganham abaixo do seu esforço é que se queixam de um salário injusto. E é pena que seja um ordenado a diferenciar um trabalho maior de um trabalho menor. Podemos achar que a padeira tem um trabalho menor mas, sem ela, não temos pão. Multiplicar-se-iam os exemplos, de baixo para cima e de cima para baixo, cada um defendendo a sua causa e, certamente legitimado.
A coisa piora no que diz respeito a salários e regalias. Em sociedades tão desiguais como as nossas (um fosso entre os ricos e os pobres), vemos que, salvo raras excepções, há um desequilíbrio enorme entre ordenados. E isto devia questionar eticamente os nossos modos de agir. Como é que pode haver patrões com grandes ordenados e luxos, sabendo que os empregados, muitas vezes, ganham o mínimo e estão quase no limite da exploração? Como é que pode haver políticos a dizer ao povo que vão ter de cortar nos salários e subsídios quando os deles não são tocados e não deixaram de ter regalias? Quando se fala em desemprego, seria tão bom que o Presidente da Republica com os seus 10 mil euros mensais, os ministros e os deputados (muitos deles a exercer outras profissões) abdicassem de parte do seu salário e/ou regalias para garantir o emprego a cem ou duzentas pessoas... Nos tempos que hoje vivemos, e não é preciso olhar para os países vizinhos, podemos ter a certeza que todos estamos mais pobres, mas com esta diferença: os ricos estão menos ricos mas os pobres estão mais pobres.
Já vai longo este post e, se calhar, não disse nada acertado. Vou rematando.
Em tempos de crise, em que o desemprego cresce descontroladamente, em que alguns trabalhos são mal remunerados e com cortes sucessivos, a sociedade deveria reflectir sobre a dimensão humana do trabalho. Um ordenado não é uma esmola; um ordenado é uma maneira visível e limitada de manifestar ao trabalhador que ele tem dignidade, que o seu esforço foi de alguma maneira recompensado e que, com o resultado do seu trabalho, elevou o mundo, merecendo agora ter uma retribuição (sinónimos: remuneração, recompensa, reconhecimento...) para se poder alimentar, vestir e viver com dignidade. O salário justo é um direito do trabalhador e um dever para quem tem a obrigação de o pagar.
Uma sociedade democrática deveria ter, a meu ver, um conselho ético, independente dos partidos e de nomeações partidárias. Um "conselho de sábios", gente limpa, independente, que não se movesse nos lamaçais dos interesses de uns em função de outros, que denunciasse e tivesse autoridade para deitar abaixo situações anómalas, que pensasse na ética da sociedade, em todas as questões éticas e morais que atacam a democracia e que destroem a boa convivência e o bem comum. Mas talvez seja uma ilusão.
A Igreja, como sempre, pede a Deus pelos que governam as nações, para que tenham em vista o progresso do mundo, e não esqueçam que o ser humano não é um animal nem uma máquina, que só precisa de se alimentar e descansar para voltar a trabalhar. Hoje, como sempre, na celebração da Missa, o padre, em nome de toda a humanidade, vai agradecer a Deus, uma vez mais, o pão e o vinho, "frutos da terra, da videira e do trabalho humano" e pedir pão, trabalho e dignidade para todos.
(Não sei quem é o autor desta imagem. Mas gosto de um São José novo, a ensinar o seu filho Jesus o ofício de carpinteiro)

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