A Fraga Cimeira

Ardeu ontem, em Cotelo, a Fraga Cimeira. Tem este nome o monte mais alto e emblemático de Cotelo. Visitei-o na segunda-feira, véspera do incêndio. Pela primeira vez saí da povoação e fui para os montes, acompanhado por dois rapazes, que conhecem bem os montes de Cotelo.
Apesar de falar mais de Feirão, também pertenço a Cotelo. Como me dizem as pessoas de lá, o senhor padre ainda é daqui. É um facto. Ali nasceu o meu pai, aí fui, embora poucas vezes, talvez demasiado poucas, concluo agora, visitar os meus avós, tios e primos paternos, sempre com alguma resistência, porque em Feirão é que tínhamos casa e os amigos da nossa idade. Mas como vamos crescendo e a nossa visão das coisas crescendo também, agora sou muito mais de Cotelo. Desde os mais velhos, que me viram desde pequeno, com o meu pai, que passava pelo povo, falava a toda a gente e parava na casa dos tios para lhes pedir as “benções”, até aos mais novos, conquistados, talvez, pela proximidade e naturalidade que tenho com eles, sinto-me bem, mesmo não conhecendo ainda os nomes das pessoas. Muitas delas vão dizendo: O senhor padre ainda é meu primo, e eu lá pergunto de que parte, nem sempre conseguindo identificar as pessoas.
Mas, voltando à Fraga Cimeira e aos rapazes que foram comigo, um monte que parece pequeno e de rápido acesso, ainda se demora uns vinte minutos a lá chegar. O Vítor, que ainda é meu primo (a mãe dele é prima direita do meu pai), de 21 anos, pastor de vocação que até impressiona, vai contando a vida dos montes, indicando os melhores atalhos para lá chegarmos sem problemas. E fala dos lugares que vemos: aqui chama-se isto, ali aquilo e acolá a aldeia tal. Redes sociais só mesmo as dos cafés e as do telemóvel, que liga pouco. Tem vacas, campos para cultivar e dizia-me no domingo à noite no café: sabe, a agricultura é a maneira alegre de empobrecer. Mas eu, tenho uma coisa boa: ninguém manda em mim. O trabalho tem que ser feito, mas faço-o quando quero, não trabalho para ninguém. Passa o ano em Cotelo, excepto Setembro, que vai trabalhar para a Suíça, creio, admira a vida e o trabalho dos antigos, tem como referências os avôs e um doce temor para com a avó materna, ainda viva e para as tias. Gostava eu, um dia, de contar a história daquela família, uma história cheia de histórias… Mas não as sei de cor, são contadas à mesa regada ou à lareira quente, sempre com os refrães: tudo se criou, eram tempos ruins, eramos felizes.
O João Paulo é mais novo um ou dois anos que o Vítor. Mais novo e mais alegre. Não consta que seja meu primo mas, afectivamente, é. Vai ser engenheiro. Não sei se hidráulico ou coisa parecida. Tem a ver com rios. Também nos acompanhou e vai-me levar, a mim e a quem se juntar, promessa do ano passado, às nascentes do rio Balsemão, que fica para os lados do Rossão. Mas ainda não sabe onde é o seu berço. Vai ser uma odisseia, quase como a ida à lua. Toda a gente sabe para onde é mas ninguém sabe mesmo onde é…
E hoje, quando fui a Cotelo, ao olhar para a Fraga Cimeira, vi-a queimada. Esperemos agora pelas chuvas para rebentar nova vegetação e devolver a cor da esperança a este monte que se impõe na serra de Montemuro.
(Fotografias: chegada à Fraga Cimeira e vista da Fraga Cimeira para Gosende)

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