Rescaldo

O dia de ontem foi desolador. Dia de fogo que circundou Feirão, tendo ficado pouco por arder. Ao almoço, quando nos sentámos para almoçar, tocou o sino a fogo. A última vez que o tinha ouvido tinha sido há muitos anos, era eu pequeno. E quando se toca o sino a fogo, para congregar o povo para acudir, é porque há casas ameaçadas. O sol parecia lua, por causa do fumo que saía das piornas e géstias (aqui não se diz giestas). E lá fui eu com o meu tio para acudir ao fogo. Um carro dos bombeiros atascado, várias corporações no terreno, e nós, com baldes, vassoiros, enxadas, cutelos, a ver como podíamos travar tão altas chamas que sobrevinham já sobre as casas. E assim andámos três horas, a tentar dominá-lo.
Olhando à nossa volta tudo preto, chisnado, sem aparência de beleza. Ficaram as pedras e o resto reduzido a cinzas. Muitos campos foram também queimados, não se aproveitando o milho, as batatas, feijões. Uma das senhoras dizia-me: andámos nós um ano, senhor padre, a tentar granjear qualquer coisinha para estar agora tudo queimado.
A aflição foi muita, os bombeiros lá fizeram o seu melhor, alguns deles acordados há muitas horas e com pouco descanso.
A história do fogo pegado é complexa. Antigamente as terras eram tratadas, a lenha aproveitada e, por isso, havia pouco que o fogo pudesse consumir. A desertificação das aldeias, o abandono das terras que ficam de monte fazem crescer o mato, e com eles animais perigosos como víboras, javalis, sardões (que ainda se viram a fugir também eles do fogo). Ora, é preciso desbastar estes matos e, a maneira mais fácil é a de deitar fogo. Um acto inconsequente. Por isso, muitas vezes a maneira mais fácil torna-se a mais difícil. O que me pergunto é como é que não há legislação que obrigue os proprietários a fazer limpeza das suas propriedades, e que as autarquias não zelem por essa limpeza. Pelo que sei, ninguém pode obrigar um proprietário a fazer limpeza; o que se pode fazer é denunciá-lo. Será normal? Assim vai gastando o Estado, com helicópteros e bombeiros. Fala-se tanto de prevenção mas, em relação aos fogos, é pouca ou nenhuma.
À tarde, enquanto descansava e falava no terraço com a minha mãe, vimos este gafanhoto, mesmo à nossa frente e com medo das chamas, num cabo de electricidade, verde, com o negrume do Penedo Gordo atrás.
À noite, depois do jantar, estando eu numa reunião com o presidente da junta, juntamente com outras pessoas, recebemos um telefonema de minha casa a dizer que o fogo já estava outra vez perto das casas. E lá fomos nós, apagar como pudemos o maior, enquanto chegavam de novo os bombeiros, para acalmar as chamas e devolver a tranquilidade à noite.
Agora que o pior já passou, aqui à volta já não há nada para arder, fica a espera das chuvas para limpar as cinzas e fazer despontar de novo o verde tão próprio desta serra, contrastes de esperança, no meio de tanta escuridão.

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