Valer a pena viver

Em dias importantes na nossa vida (falo pelos meus) quase sem querer entro na roda do valer a pena. Vale a pena viver? Pergunta retórica que até Fernando Pessoa perdeu algum tempo da sua existência a pensar nela para concluir que "tudo vale a pena se a alma não é pequena". Se não valeu a pena a culpa não é da vida mas sim de quem a vive que a não soube viver.
Se vale a pena viver... Por mim falo, embora pudesse citar São Paulo, "tenho o desejo de partir e estar com Cristo, já que isso seria muitíssimo melhor; mas continuar a viver é mais necessário por causa de vós". Retórica e drama à parte - se a minha mãe me ouvisse dizer isto diria logo: nem os velhos querem morrer quanto mais os novos! - o que é certo é que os anos passam, vive-se muito, umas vezes melhor outras pior, a vida é como uma estrada, onde caminhamos ora sozinhos ora acompanhados, mas sempre com Deus, esse é o desejo.
E nesta estrada da vida aparecem os tais dias importantes, como por exemplo o dia de anos, que até por acaso, adequa-se o exemplo ao dia.
Fazer anos. Dos escritores que leio e admiro não há nenhum que goste de fazer anos. Não sendo escritor mas um fraco leitor, não sei se me contagiaram esta bactéria sentimental de uma certa apatia em relação à celebração, parecendo que os outros ficam mais contentes que nós por nós fazermos anos. É bom sinal, é sinal que lhes dizemos alguma coisa, que pertencemos às suas agendas, leia-se às suas vidas, e por mail, mensagem ou telefonema, lá vêm as alegrias de um dia feliz, aquele abraço e conte muitos.
Mas andei eu à procura de um poema que dissesse os sentimentos deste dia. Evitei a prosa ou poesia de Miguel Torga, que esse não gostava muito de celebrar os anos (vejam por exemplo que ele escreveu no dia de anos do ano em que nasci: "Menos uma polegada no côvado da vida. Menos uma probabilidade. E tanto que dizer! E tanto que cantar! E tanto que sofrer! Mas pronto. Lá vou receber os parabéns habituais por este venturoso dia natalício que, apesar dos telegramas e do resto é sempre o mais solitário e vazio de quantos vivo na roda do ano. À miséria que sou junta-se o desconsolo de ser um pretexto dos outros, uma deixa para o teatro.") e procurei outro grande. Fui à estante dos poetas e tirei Fernando Pessoa. Pensei para comigo, este terá uma coisa importante sobre a existência, sobre a vida... folheei, encontrei até um poema que tem o título de Aniversário, não me convenceu - quem sou eu para que o Pessoa me convença - , procurei outros sobre vida e a descoberta não foi melhor. Encontrei um, menos mal, que poderia servir para o dia: "Há em tudo que fazemos / Uma razão singular: / É que não é o que qu'remos / Faz-se porque nós vivemos, / E viver é não pensar". O poema continua, com a sua piada até, mas também não dá. Uma coisa mais alegre, procuro eu. Atirei-me aos salmos. Porque não? Um salmo é um poema e nem todos falam de guerra... Fui ver os que se rezam hoje. E voltei ao que tínhamos rezado em Laudes. Salmo 83: "Felizes os que em vós encontram a sua força, / os que trazem no seu coração os caminhos do santuário". E aqui está o que é para ser lido e vivido hoje: sou feliz e vale a pena viver se encontramos em Deus a nossa força e se no nosso coração estão os caminhos do Senhor. Bom dia a todos e rezem por mim!
 
(a imagem é uma fotografia minha destorcida. Mas até ficou bem)
 

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