Desconecções ou outras ligações

Margarita é uma menina de dois anos, que conheci há pouco tempo.
Concretamente, conheci-a há um ano, mas, na altura, deve ter sido pouco mais que um olhar, ou talvez uma festa.
Não vive com os pais, na verdade só sabe que tem mãe, uma mãe de dezanove anos, que terá sido bonita, como a filha é, mas que agora, com uma terrível doença que vai tirando os traços de beleza, quase não se acredita que poderá ter sido bonita e elegante. Pior que isto tudo é que a doença – neurofibromatose – passou de mãe para a filha.
Mas a Margarita é de uma beleza rara, como as pérolas: de dois anos, como disse, corpo perfeitinho, com tranças e olhar vivo e muito expressivo, uma boca recortada, quase uma boneca, vive feliz.
O meu contacto com ela é praticamente de colo: pede-o abrindo os braços, chora se não dou, amua quando a coloco no chão. É africana, por isso, tudo o que seja música mexe com ela. Se eu começo a cantar umas músicas de tom africano ela olha para mim, abre os braços e pede colo. Pede colo para dançar. E dançamos os dois. Ela fecha os olhos e mexe o corpo. Se paro de cantar, abre os olhos e pede mais. E recomeço; e ela fecha os olhos, acompanha baixinho e com a voz, entrando em êxtase, ou no seu mundo, que, por ser só dela, ninguém entra. Que pensará esta menina? De que fugirá? Que mundo procurará?
Não tenho respostas mas imagino, porque também nos acontece, que, por vezes, a evasão, é boa. Nós usamos extasiantes, compras eufóricas, sempre na tentativa da fuga, do ausentar-se do mundo e do presente. Esta menina não. Pode até fugir mas sempre ao colo de alguém.
 
(esta imagem é um dos cartões dos testes de personalidade de Rorschach. Lembro-me deste em especial, por causa dos testes psicotécnicos que em tempos tive de fazer. Sempre me pareceu duas africanas num baloiço. Como a Margarita, num baloiço ou ao colo... mas sempre em movimento)

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