Diferente mas não indiferente

A menina que de quem agora escrevo é uma menina diferente mas não indiferente. Diferente porque não anda, diferente porque não consegue responder bem às coisas que lhe perguntamos, diferente porque não é bem articulada. Mas não é indiferente. Nem ela a nós nem nós a ela. Normalmente associa um petit-nom a uma pessoa mais próxima, a outras o nome inteiro, a mim uma música. Sim, ela é muito musical. Não sabe as letras até ao fim, como eu e muitos como nós, mas sabe começar a lenga-lenga do coelho Alberto ou, quando me vê, o mexe e remexe. Mas encheu-me de ternura quando me pediram para ficar com ela uns minutos e, de repente, começa a cantar a música do amigo que me ama. Assim, do nada. E eu acompanhei. Uma outra criança olhava para nós e associava-se quando aparecia o nome “Jesus”. E eu emocionado com o que estava a ver. Meu Deus, como é que estas crianças, tão mutiladas de afectos naturais, que nós tentamos tapar com alguns remendos, cantam com ânimo e, quem sabe, com alguma inteligência para não dizer fé, uma canção destas, que têm um amigo que as ama e o seu nome é Jesus?!

Esta menina, que também ela é conhecida pelo seu diminutivo, vamos chamar-lhe por conveniência Gracinha, porque é uma gracinha!, é vaidosa, gosta das pulseiras e dos relógios, de se ver ao espelho, gosta de se sentir incluída, gosta de meter conversa com quem passa ou com quem está e, volto a repetir, gosta de cantar. A mãe morreu-lhe era ela pequenina – agora tem cinco anos – e o pai não tem nem idade nem forças para cuidar bem dela.

A Gracinha não terá memória para recordar tudo o que viveu e está a viver. Digo eu, que não sou médico e posso enganar-me nos diagnósticos; a memória tem a sua dimensão colectiva, lembramos muitas coisas do passado porque os nossos pais no-las foram recordando em episódios, em ouvir dizer. Nada saberá do seu passado, nem da doença que tem, com as complicações que certamente virão. Mas esta menina está longe de ser uma menina estranha ou indiferente. Esta menina é quase auto-suficiente: aprende tudo por ela. É de ouvir que aprende a cantar, é de ver que aprende a vaidade, é de tocar que aprende que a música se pode dançar… e que a vida se pode viver com Jesus, o melhor dos amigos.

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