Amoras
"Já nada é o que era". Por aqui, na fonte ou no fim de Missa, que enquanto cá estou é às oito da manhã, ouve-se esta frase ou parecida a esta a respeito de tudo o que muda e não nos conformamos. Usa-se mais com o tempo, que ora está sol ora começa a chuva, mas também com outras realidades. As amoras são outra. No outro dia vinha de apanhar umas amoras para as minhas sobrinhas que estavam a chegar a Feirão para uns dias de férias. Já é uma tradição da nossa família: apanhar amoras para os mais pequenos. A minha sobrinha mais nova provou logo duas e parece ter gostado. Mas, andava eu a ver onde encontrar amoras e, como já nada é o que era, em pleno Agosto, as amoras ainda não estão no ponto. Já se deixam comer mas ainda precisam de sol para serem agradáveis. E já nada é o que era porque, era eu miúdo e, com outros miúdos e miúdas que cá passavamos férias, em Julho, já andávamos à procura das amoras e quase nem as deixavamos amadurecer. Agora não. O fogo do ano passado queimou silvões, onde as amoras são maiores e sempre doces. Procurar amoras é mesmo nas silvas, as mais pequenas e com um pouco mais de ácidas.
Vinha eu com uma cestinha de amoras, as mais doces que consegui apanhar, e cruzei-me com uma senhoa que estava a cortar lenha para acender a fogueira e fazer o jantar. Ofereci-lhe amoras e disse que não, que não gostava de amoras, que passava por elas e não as comia. E acrescentou: "Olhe, nunca vi tantas amoras como nestes últimos anos; antigamente andava tudo rapado, e agora nem os pássaros as comem. Vá la que o senhor padre ainda as vai apanhar". E eu lá me juntei aos lamentos: realmente é verdade; quando era miúdo até as comiamos verdes e agora já ninguém as come. Já nada é o que era, concluímos os dois.
Esta manhã fui com a minha sobrinha mais nova mostrar-lhe onde nascem as amoras. Comeu uma mão cheia delas e ainda trouxe para a irmã. Mas já estou a ver que este ano vai haver doce de amora. Vou começar a apanhá-las para fazer o doce. Já nada é o que era.
