Festa de Feirão

Estão a terminar as festas de Feirão. Grandiosas, como se lê no cartaz publicitário.
O que mais me encanta em Feirão, nestes dias, é o passado. E, no dia da festa, a procissão que se faz no final da Missa. Mais que encantar é a emoção, das que me embargam os olhos quando, olhando para as pessoas, e colocando uma película que transformasse as cores em tons de cinza, quase se poderia dizer que era uma repetição de há trinta ou quarenta anos atrás. Porque tudo acontece como há mais de trinta anos. Se perguntamos aos mais antigos a resposta repete-se: “foi sempre assim” ou “desde sempre assim foi”. O que agora são quatro dias de festa eram antes dois, e isso é que não foi sempre assim. No antigamente o religioso dominava a festa: tríduo e confissões, com padres de fora. Os bailes ficavam reduzidos a dois. Era eu miúdo e moço, e lembro-me de haver baile numa das eiras do povo. De quando em vez, durante o baile, tinha de se regar a eira por causa do pó. Hoje, em Feirão, é diferente: construiu-se um palanque onde tudo acontece menos a Missa que se celebra invariavelmente na igreja.
Sermão e missa cantada, como pede a solenidade. O sermão é feito pelo padre a quem se roga para o fazer; a Missa é cantada pela banda que também se roga. Bandas como as de antigamente já não as há. Algumas ainda vivem da fama, esforçam-se por manter a qualidade, lá fazem o seu melhor mas isto, para dizer a verdade e admitindo alguma excepção, anda muito pelos mínimos.
No dia da festa são os foguetes que fazem os anúncios. Às seis da manhã, em vez de ser o sino a tocar a Trindades, nove morteiros são lançados para anunciar o novo dia. Meia hora antes da Missa começa o sino a tocar, naquele som e ritmo de sempre, anunciando a proximidade da Missa. Quando a Missa vai a “Santos” mais foguetes para assinalar o importante da Missa. E, no fim da Missa sai, finalmente a procissão. Sempre da mesma maneira, sempre os mesmos andores, sempre os mesmos guiões, sempre o mesmo percurso: ir ao cruzeiro e voltar. À frente, a Cruz, com as lanternas. Depois os guiões e estandartes, oferecidos à Igreja por cumprimento de alguma promessa, ou simplesmente porque sim. Os que antigamente levavam os guiões hoje não o conseguem fazer. E avança a geração seguinte para que os andores entrem na procissão. E começa a emoção: Homens à frente, com os guiões, depois os andores dos santos, entremeados com crianças que se vestem de anjinhos ou de santinhos, como eu há trinta e quatro anos, que fui de Santo António. Tudo cumprimento de promessas. Depois do andor da padroeira, o padre, com o Santo Lenho. Antigamente ainda se levava o pálio e ainda havia Santo Lenho. Agora já custa a montar e a manter, e o Santo Lenho trocou-se por uma cruz simples, de madeira. Detrás do padre a banda e, depois da banda, as mulheres e crianças. A procissão faz-se com solenidade e respeito. Uns vêem-na passar e outros fazem-na passar. A banda com as suas melodias marciais, a apelar ao sentimento. Certamente que alguns como eu, pensam na vida e no antigamente. A mim e a uma tia minha (comentámos isto ao almoço), levou-me há trinta e quatro anos atrás. Tudo igual, tudo da mesma maneira, tudo como sempre. Os que eram velhos nessa altura estão agora noutra procissão, os de meia-idade são agora os homens e mulheres da terra; os que éramos pequenos, crescemos e vamos na procissão, não de anjinhos nem de santinhos, mas homens e mulheres que de inocentes temos pouco cubra-nos, ao menos, a misericórdia de Deus.
Acabada a procissão com a bênção do Santo Lenho, mais foguetes que anunciam o fim das cerimónias. Almoço de forno e de festa, com fartura de alimentos e de bebidas, café no povo para socializar e tarde de ranchos, que animam velhos e novos.
Acabam-se as festas de Feirão. E as memórias também. Para o ano regressarão ou não, mas tudo será igual porque a regra para manter as tradições é só uma: desde sempre assim foi.
(Fotografia: imagem de Santa Luzia, que está no altar do Sagrado Coração de Jesus, na igreja de Feirão)

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