Discurso do Papa Francisco aos Dominicanos

No dia 4 de Agosto o Papa Francisco recebeu, no Vaticano, os Padres Provinciais que estiveram reunidos em Capítulo Gera. Fez-lhes um pequeno discurso que aqui deixo, para lembrar a memória litúrgica de São Domingos:
"Queridos irmãos e irmãs:
Hoje poderíamos descrever este dia como “um jesuíta entre frades”: de manhã convosco e à tarde com os franciscanos: entre frades.
Dou-vos as boas-vindas e agradeço a saudação que frei Bruno Cadoré, Mestre Geral da Ordem, me dirigiu em nome próprio e de todos os presentes, já a terminar o Capítulo geral, em Bolonha, onde desejaram reavivar as vossas raízes junto ao sepulcro do santo Fundador.
Este ano tem um significado especial para a vossa família religiosa ao cumprirem-se oito séculos desde que o papa Honório III confirmou a Ordem dos Pregadores.
Por ocasião do Jubileu que celebram por este motivo, uno-me a vós pelos abundantes dons recebidos durante este tempo. Além disso quero exprimir a minha gratidão à Ordem pela sua significativa contribuição à Igreja e a colaboração que, com espírito de serviço fiel, manteve desde as suas origens até ao dia de hoje para com a Sé Apostólica.
E este oitavo centenário leva-nos a fazer memória de homens e mulheres de fé e de letras, de contemplativos e missionários, mártires e apóstolos da caridade, que levaram a carícia e a ternura de Deus a todo o lado, enriquecendo a Igreja e mostrando novas possibilidades para encarnar o Evangelho através da pregação, o testemunho e a caridade: três pilares que fortalecem o futuro da Ordem, mantendo a frescura do carisma fundacional.
Deus inspirou São Domingos para fundar uma «Ordem de Pregadores», sendo a pregação a missão que Jesus confiou aos Apóstolos. É a Palavra de Deus que queima por dentro e nos leva a sair para anunciar a Jesus Cristo a todos os povos (cf. Mt 28,19-20). O pai Fundador dizia: «Primeiro contemplar e depois ensinar». Evangelizados por Deus, para evangelizar. Sem uma forte união pessoal com ele, a pregação poderá ser muito perfeita, muito racional, até admirável, mas não toca o coração, que é o que deve mudar. É tão imprescindível o estudo sério e assíduo das matérias teológicas, como tudo o que permite aproximar-nos da realidade e pôr o ouvido no povo de Deus. O pregador é como um contemplativo da Palavra e também o é do povo, que espera ser compreendido (cf. Evangelii gaudium, 154).
Transmitir mais eficazmente a Palavra de Deus requer o testemunho: Mestres fiéis à verdade e testemunhas valentes do Evangelho. A testemunha encarna o ensinamento, torna-o tangível, convocador, e não deixa ninguém indiferente; acrescenta à verdade a alegria do Evangelho, a de saber-se amados por Deus e objecto da sua infinita misericórdia (cf. ibid, 142).
São Domingos dizia aos seus seguidores: «Com os pés descalços, saiamos a pregar». Recorda-nos a passagem da sarça-ardente, quando Deus disse a Moisés: «Descalça as sandálias dos pés, porque o lugar que pisas é terreno sagrado» (Ex 3,5). O bom pregador está consciente de que se move no terreno sagrado, porque a Palavra que leva consigo é sagrada, e os seus destinatários também o são. Os fiéis não precisam só de receber a Palavra na sua integridade, mas também de experimentar o testemunho de vida de quem prega (cf. Evangelii gaudium, 171). Os santos conseguiram abundantes frutos porque com a sua vida e missão, falam com a linguagem do coração, que não conhece barreiras e é compreensível por todos.
Por último, o pregador e a testemunha devem sê-lo na caridade. Sem esta, serão colocados e questão e suspeitos. São Domingos teve um dilema no início da sua vida, que marcou toda a sua existência: «Como posso estudar em peles mortas quando sofre a carne de Cristo». É o corpo de Cristo vivo e sofrente, que grita ao pregador e não o deixa sossegado. O grito dos pobres e dos descartados desperta, e faz compreender a compaixão que Jesus tinha pelas pessoas (Mt 15,32).
Olhando à nossa volta, comprovamos que o homem e a mulher de hoje, estão sedentos de Deus. Eles são a carne viva de Cristo, que grita «tenho sede» de uma palavra autêntica e libertadora, de um gesto fraterno e de ternura. Este grito interpela-nos e deve ser dê estrutura à missão e vida às estruturas e programas pastorais. Pensem nisto quando reflectirem sobre a necessidade de ajustar o organigrama da Ordem, para discernir sobre a resposta que se dá a este grito de Deus. Quanto mais se saia a saciar a sede do próximo, tanto mais seremos pregadores da verdade, dessa verdade anunciada pelo amor e a misericórdia, da que fala santa Catarina de Sena (cf. Libro della Divina Dottrina, 35). No encontro com a carne viva de Cristo somos evangelizados e recobramos a paixão para ser pregadores e testemunhas do seu amor; e livramo-nos da perigosa tentação, tão actual hoje em dia, do gnosticismo.
Queridos irmãos e irmãs, com um coração agradecido pelos bens recebidos do Senhor para a vossa ordem e para a Igreja, animo-vos a seguir com alegria o carisma inspirado a São Domingos e que foi vivido com diversas matizes por tantos santos e santas da Família Dominicana. Os seus exemplos são um impulso para afrontar o futuro com esperança, sabendo que Deus renova sempre tudo… e não defrauda. Que a Nossa Mãe, a Virgem do Rosário, interceda por vós e vos proteja, para que sejam pregadores e testemunhas valentes do amor de Deus.
Obrigado.

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