O futuro da religião

Fui, na sexta-feira passada, a um jantar-debate, sobre o futuro da religião. Fui como convidado para que, junto ao Professor Miguel Real, pensássemos e debatêssemos sobre esta preocupação. Como foi pedido a ele e a mim que fizéssemos uma pequena apresentação para depois abrir o debate, e como eu a levei escrita, partilho-a agora neste post:
O nos traz hoje aqui é a reflexão sobre o tema do futuro da religião. Mesmo sem ser uma questão, quando falamos em futuro ele torna-se uma questão.
E este futuro pode ser visto e analisado de vários pontos de vista, consoante o interesse que a questão possa levantar.
Há muita literatura séria e ficcionada sobre o futuro das religiões, também ela analisada de uma determinado perspectiva (por exemplo, esta questão na Europa coloca-se por causa do “medo da islamização”).
Não sou visionário nem quero ser futurista no sentido de supor como será o mundo daqui a cinquenta ou a cem anos.
Como crente a minha reflexão iria mais no sentido de me perguntar sobre o futuro da religião e o futuro das religiões, que para mim são duas coisas distintas.
E partia da célebre frase de André Malraux que, em 1955, ao escrever sobre este nosso século escreveu: “O século XXI será espiritual. Ou não será”.
Há uma dimensão da nossa humanidade que, pese embora, algumas vezes seja relegada, não pode ser negada: o ser humano é um ser espiritual. Creio não ser necessário fazer a distinção entre ser espiritual e ser religioso. Mas é esta dimensão que nos faz pensar sobre o sentido da nossa vida, da nossa existência, o para além do corpo e do imediato da nossa vida. E creio que o futuro da religião passa, antes de mais, por recuperar esta dimensão da nossa vida e dar-lhe a importância que ela tem na nossa existência. Não se trata de sermos mais filosóficos, até porque a filosofia é muito importante na nossa sociedade e na nossa vida até para pensarmos como sociedade como é que podemos tornar este mundo mais humano e mais belo. Como digo, não se trata de sermos mais filosóficos mas de pensarmos a sério naquilo que nos ultrapassa e transcende.
Por isso, na minha perspectiva, o futuro da religião passa pela recuperação desta dimensão espiritual da minha vida que, querendo dar-lhe resposta, encontro-a num determinado grupo, com o qual me identifico.
São muitas as definições de religião. Gosto particularmente da que que diz que a religião me liga ao Transcendente e ao outro (religar). Esta é a função da religião: religar, unir-me ao Transcendente. Não porque alguma coisa foi quebrada mas porque é algo a que preciso de estar permanentemente ligado. E por isso, a recuperação da dimensão espiritual da minha existência abre-me e liga-me ao Transcendente, sentindo esta necessidade de construir a ponte que me leva a Deus. A função da religião é a de fazer a ponte entre duas margens: a minha e a de Deus.
Uma das características da religião é de que não é uma questão privada. Ela é vivência de grupo. Há uma identificação com a doutrina, com os valores. Mesmo na parte mais comercial da religião com a fundação de seitas (por exemplo nos EUA ou Brasil), para além do fundador é necessário um determinado número de pessoas. Ora, parece-me que este início de século trouxe consigo uma ideia e uma prática de religião de “self-service”. Certamente que será um contágio da nossa sociedade, que vive cada vez mais das relações directas, sim intermediários (pessoa-máquina), e que não é só mal do cristianismo. Há uma tendência em privatizar a religião como uma questão pessoal, sem expressão pública e até sem ritualização pública. Pessoas que só entram nas igrejas fora das horas do culto para se sentirem em paz, pessoas que só recorrem aos “ministros” em caso de aflição e às orações formais em caso de necessidade. Pessoas que procuram mais que uma religião ou, dentro de uma religião concreta, mais que um culto… Ora a religião não poder ser um calmante que tomo em SOS para me tranquilizar. E aqui creio que será uma outra dimensão que gostaria de acrescentar ao futuro da religião. Para além da redescoberta da dimensão espiritual que cada um tem, a pertença a uma religião deve ser entendida como pública e comum.
Passaria ao segundo ponto desta minha intervenção, que seria falar do futuro das religiões.
Ninguém tem dúvida da importância das religiões no nosso mundo. Para alguns é incómodo e também reconheço que às vezes as religiões (a minha religião) exagera na maneira como está no mundo. Quando digo exagera não é só para mais mas também às vezes para menos.
Mas a religião é importante numa sociedade. Não só porque forçosamente existe para agrupar e dar resposta às pessoas que se identificam com ela mas também pelo contributo positivo que, quando verdadeiramente realizada, dá ao nosso mundo.
Não é uma ideia original minha. A Igreja Católica já há uns 70 anos que descobriu isto e desde o Concílio Vaticano II (1962-1965) que tem feito um caminho a meu ver positivo. Dou três exemplos:
1. Quando o Papa João XXIII, que ao longo da sua vida contactou com várias religiões e sociedades, convocou toda a Igreja Católica (e não só) para uma séria reflexão sobre si mesma, colocou a questão: para que é que a Igreja católica serve? Qual é o seu papel no mundo? Esta reflexão terminou num documento notável “A Igreja no mundo contemporâneo”. Talvez este documento devesse ser revisado e até actualizado, mas o espírito continua vivo e actual. E não é só a Igreja Católica que tem que fazer esta pergunta. E a pergunta comum a todas as religiões: para que é que servimos? Que fazemos no nosso mundo? Ontem, o Papa Francisco num discurso dizia que a missão da Igreja é ajudar a sociedade. Gostei do verbo. Ajudar.
2. A Igreja Católica, já desde os inícios do século passado, que tem vindo a fazer um caminho de união com as outras igrejas cristãs. De uma maneira mais formal, desde 1908. Ao longo da história do cristianismo, houve cortes, divisões, que longe de fortalecer, fragilizaram o projecto de Jesus Cristo. Mas a Igreja Católica, também no Concílio Vaticano II, parou para pensar nas suas relações com as outras igrejas cristãs. Também saiu um documento sobre o diálogo ecuménico (o que é que os cristãos podem fazer unidos). Lembro-me muito da canção do Rui Veloso quando na canção do primeiro beijo diz que “é mais o que nos une que aquilo que nos separa”.
O terceiro exemplo, ainda da Igreja Católica e ainda relacionado com o Concílio Vaticano II foi também a reflexão que fez sobre o diálogo inter-religioso. Também saiu um documento que, se não é notável é pelo menos histórico quando reconhece a importância das outras religiões e quando pede e se compromete pela recíproca compreensão, estima, diálogo e cooperação.
Algumas pessoas acham que deveria haver um Vaticano Terceiro. Mas acho que já temos alguém bem mais prático e que tem actualizado tudo isto que é o Papa Francisco. Com razão lhe chamam o Papa universal. Não só ele, e com ele a Igreja Católica, mas também pedindo a outras igrejas cristãs e outras religiões, é sua vontade a construção de um mundo melhor, tendo consciência de que as religiões podem ser um grande contributo nesta construção se unirem forças para o bem. Paz, respeito, tolerância, defesa da vida e da dignidade humana, aceitação do outro e solidariedade são, no meu ver, as forças para o futuro da religião e das religiões.
Se no início citava André Malraux dizendo que “O século XXI será espiritual. Ou não será”, junto agora um outro grande homem do nosso século, Abbé Pierre, que disse: “O século XXI será fraterno ou fracassará”. Como ser humano e cristão que sou não tenho dúvida que a minha missão neste mundo é promover a fraternidade entre todos, sem exclusões.

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