As esperas por dizer

Começa hoje, de forma simbólica, a novena do Natal. Semana maior, para uns (erradamente, porque a semana maior é a semana Santa), semana do Ó, por causa das antífonas, que até vieram a dar uma história engraçada na liturgia. No antigo calendário, no dia 18 de Dezembro celebrava-se a memória de nossa Senhora da Expectação. Tem outros títulos, como a Senhora da Encarnação, do parto (começam também as Missas do parto)... mas o primeiro título era o oficial. Da expectação. Que significa? Nossa Senhora da espera ou das esperas. Simbolicamente, quer-se celebrar os últimos dias da gravidez de Nossa Senhora, uma alegria ainda incontida, como as esperas e as alegrias de quem vai ser mãe. Na véspera, dia 17, começavam liturgicamente uma série de antífonas, que se chamam do Ó, por começarem por esta interjeição. No ano passado tive a possibilidade de deixar neste blogue uma pequena meditação para cada dia. E foi das pessoas ouvirem os monges a cantar estas antífonas que nasceu a invocação de Nossa Senhora do Ó, culto que lhe vem do século X, sobretudo aqui na nossa Ibéria. Actualmente a liturgia não deixa fazer esta comemoração, mas não proíbe de invocar esta mãe, com o filho prestes a nascer.
António Nobre, em 1889, escreveu também um extenso poema a Nossa Senhora do Ó, que aqui deixo:
Ó mística mulher, nascida na Judeia,
Fantasma espiritual da legenda cristã!
Imperatriz do Céu, que para além se alteia,
A Nação de que a Terra é uma pequena aldeia,
E simples lugarejo a Estrela-da-manhã!
Morena aldeã dos arredores de Belém!
Mãe admirável! Mãe do Sofrimento humano!
Mãe das campinas! Mãe da Lua! Mãe do Oceano!

Ó Mãe de todos nós! Ó Mãe de minha Mãe!

Vela do Altar! Casa de Ouro! Arca da Aliança!
Rede do Pescador! Lanterna do ceguinho!

Ó meu primeiro amor! Minha última Esperança!

Amparo de quem vai pela existência, e cansa!
Oblação pura! Silva de ais! Vela de Moínho!
Meu Sete Estrelo! Mar de leite! Meu Tesouro!
Palácio de David! Ó Torre de Marfim!
Anjo da Perfeição! cujo cabelo louro,
Caído para trás, lembra uma vinha de ouro,
Que eu desejara ver aos cachos sobre mim…
Grão das searas! Sol d’Abril! Luar de Janeiro!
Luar que ruge os cravos, sol que faz corar a vide…
Alimento dos Bons! Farinha do moleiro!
Auxílio dos cristãos! Vela do marinheiro!
Portas do Céu! Glória da casa de David!
Sol dos sóis! Ancora ebúrnea! Águia do Imenso!
Vinho de unção! Pão de luz! Trigo dos Eleitos!
Ideal, por quem, a esta hora, em todo o Mundo, eu penso,
No Ar se ergue, em espirais, um nevoeiro de incenso,
E desgraçados, aos milhões, batem nos peitos…

Ó Fonte de Bondade! Ó Fonte de meus dias!

Vaso de insigne Devoção! Onda do Mar!
Coroa do Universo! Asa das cotovias!
Ogiva ideal! Causa das nossas alegrias!

Ó Choupo santo! Ó Flor do linho! Ó nuvem do Ar.

Carne de Cristo! Cidadela de altos muros!
Santuário da Fé. Lancha de Salvação!
Alma do Mundo! Avó dos séculos futuros!
Fortaleza da Paz! Via-Láctea dos Puros!
Monte de Jaspe! Rosa Mística! Alvo Pão!
Sangue do leal Jesus! Cadeira da Verdade!
Vime celeste! Água do Mar! Pérola Única!
Mulher com vinte séculos de idade
E sempre linda mocidade
Pelas ruas do céu, passas, cingindo a túnica…
Cesto de Flores, Advogada Nossa!
Alvéu de espuma! Cotovia dos Amantes!
Escada de Jacob! Sol da Sabedoria!
Rainha dos Mundos! Pão nosso de cada dia!

Ó véu das noivas! Ó Farol dos navegantes!

Ó Leme da Arca-Santa! Ó Cruz dos sítios ermos!
Toalha de linho! Hóstia de luz! Cálice da Missa!
Modelo da Pureza! Espelho da Justiça!
Estrela da Manhã! Saúde dos enfermos!

Ó Virgem Poderosa! Ó Virgem Clementíssima!

Ó Virgem Sofredora! Ó Virgem Protectora!
Ó Virgem Piedosa! Ó Virgem perfeitíssima!
Virgem das Virgens! Minha Mãe! Nossa Senhora!

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